Semana retrasada, descobri, horrorizada, que, para certos homens, mulheres que saem a sós são prostitutas por definição.
Em algumas sociedades assumidamente machistas, para sair de casa, as mulheres precisam estar acompanhadas de seu homem ou de pessoas da família. No Brasil do século XIX e do início do século XX, era assim. Com a entrada maciça das mulheres nas escolas e no mercado de trabalho, é incompreensível a permanência dessa visão preconceituosa e odiosa por definição.
Num almoço com outros advogados, um deles disse-me que achava correta a prática de alguns restaurantes de São Paulo, há alguns anos atrás, de proibirem o ingresso de mulheres "desacompanhadas". Seu argumento: o dono do estabelecimento e os clientes não são obrigados a conviver com a prostituição...
Ou seja, mulher sozinha num bar, restaurante, local público, é prostituta por definição!
Quando lhe disse que essa prática é discriminatória e que tanto os responsáveis pelo estabelecimento comercial (qualquer que seja) quanto os funcionários que cumprem tal ordem cometem ilícito penal, ele discordou. Expliquei-lhe a Constituição, o sistema de direitos fundamentais, e ele rebateu, ah, mas e a autonomia do dono do negócio? Respondi, ninguém tem "autonomia" para ferir os direitos fundamentais de pessoa alguma. Noção básica de Direito Constitucional.
Além disso, a prática é contravenção penal, nos termos da Lei 7.437/1985 (Lei Caó), se o fato não constituir crime de constrangimento ilegal.
Ninguém tem o mais remoto direito de impedir uma mulher de entrar "desacompanhada" em lugar algum, sob nenhum pretexto. Se o fizer, merece processo-crime e ação civil de reparação de danos. No mínimo.
Ah, mas e se a mulher for prostituta mesmo?
Prostitutas são cidadãs como outras quaisquer e têm direitos fundamentais tanto quanto um homem de negócios, um médico, um advogado, uma dona-de-casa, uma professora. Se um empresário pode entrar sozinho num restaurante, uma prostituta pode também. Se uma dona-de-casa pode entrar numa padaria para fazer compras, uma prostituta o pode também. Ela está condenada a morrer de fome porque exerce uma profissão malvista pela sociedade? Não. Assim, ela pode entrar num restaurante e almoçar ou jantar, sim, como qualquer cidadã. Quem é que pode apontar uma mulher e classificá-la, com total segurança, como "prostituta"? Ninguém.
Muito bem. O doutor tradição-família está convencido de que uma mulher "avulsa" num restaurante só pode estar querendo se prostituir. Lembro-me que rebati, "ninguém vai transar sobre a mesa". Ele não se fez de rogado: "Ah, mas pode combinar um encontro!" Não deixei barato: "E daí? Prá início de conversa, quem é que vai saber o que duas pessoas estão conversando?"
E os empresários que se reúnem em caros restaurantes para combinar negociatas, corrupção, crimes contra o sistema financeiro nacional, contra a ordem tributária? Uma beleza, não? Não são lindos e poderosos? Palmas para eles, não é mesmo?
E os políticos que se encontram em restaurantes, em hotéis, para combinar negociatas, atos de improbidade administrativa, crimes eleitorais, crimes contra a administração pública? São tão lindos e poderosos, não? Que continuem assim, não é mesmo?
E como os chimpanzés, orangotangos, bugios e babus reunidos fazem barulho!
E esses trogloditas de terno que, quando estão a sós num restaurante, sala de espera, bar, etc., sacam seus celulares e ficam falando em voz alta, incomodando todo o resto? Um inferno. E o imbecil que ri alto num cinema ou teatro, como um pangaré desvairado? Odiado. Enquanto isso, a mulher, que comete o único "crime" de estar só, recebe olhares de soslaio, piedade, desconfiança, e, muitas vezes, a estupidez de algum atendente despreparado e grotesco que tem a petulância de indicar-lhe algum lugar escondido, ruim ou próximo ao banheiro. Sempre recuso e faço questão de escolher aonde vou me sentar.
Por conta dessa cosmovisão ultrapassada, de que a mulher que caminha a sós pelos lugares e pela vida ou é "mulher da vida" ou uma coitada sem direito de escolha, muitas vezes aparece um porco, um pitbull, um símio ou um rato com perguntas do tipo, "não te conheço de algum lugar?", "você vem sempre aqui?", "sozinha?", e tudo o que queremos é um facão, uma focinheira e um enforcador, uma banana ou uma ratoeira. Por quê? Porque temos todo o direito de escolher com quem vamos ficar ou deixar de ficar; de preferirmos ficar sós do que acompanhadas de presenças dissonantes. Enfim, temos o direito de sermos tão livres quanto os homens.
Em algumas sociedades assumidamente machistas, para sair de casa, as mulheres precisam estar acompanhadas de seu homem ou de pessoas da família. No Brasil do século XIX e do início do século XX, era assim. Com a entrada maciça das mulheres nas escolas e no mercado de trabalho, é incompreensível a permanência dessa visão preconceituosa e odiosa por definição.
Num almoço com outros advogados, um deles disse-me que achava correta a prática de alguns restaurantes de São Paulo, há alguns anos atrás, de proibirem o ingresso de mulheres "desacompanhadas". Seu argumento: o dono do estabelecimento e os clientes não são obrigados a conviver com a prostituição...
Ou seja, mulher sozinha num bar, restaurante, local público, é prostituta por definição!
Quando lhe disse que essa prática é discriminatória e que tanto os responsáveis pelo estabelecimento comercial (qualquer que seja) quanto os funcionários que cumprem tal ordem cometem ilícito penal, ele discordou. Expliquei-lhe a Constituição, o sistema de direitos fundamentais, e ele rebateu, ah, mas e a autonomia do dono do negócio? Respondi, ninguém tem "autonomia" para ferir os direitos fundamentais de pessoa alguma. Noção básica de Direito Constitucional.
Além disso, a prática é contravenção penal, nos termos da Lei 7.437/1985 (Lei Caó), se o fato não constituir crime de constrangimento ilegal.
Ninguém tem o mais remoto direito de impedir uma mulher de entrar "desacompanhada" em lugar algum, sob nenhum pretexto. Se o fizer, merece processo-crime e ação civil de reparação de danos. No mínimo.
Ah, mas e se a mulher for prostituta mesmo?
Prostitutas são cidadãs como outras quaisquer e têm direitos fundamentais tanto quanto um homem de negócios, um médico, um advogado, uma dona-de-casa, uma professora. Se um empresário pode entrar sozinho num restaurante, uma prostituta pode também. Se uma dona-de-casa pode entrar numa padaria para fazer compras, uma prostituta o pode também. Ela está condenada a morrer de fome porque exerce uma profissão malvista pela sociedade? Não. Assim, ela pode entrar num restaurante e almoçar ou jantar, sim, como qualquer cidadã. Quem é que pode apontar uma mulher e classificá-la, com total segurança, como "prostituta"? Ninguém.
Muito bem. O doutor tradição-família está convencido de que uma mulher "avulsa" num restaurante só pode estar querendo se prostituir. Lembro-me que rebati, "ninguém vai transar sobre a mesa". Ele não se fez de rogado: "Ah, mas pode combinar um encontro!" Não deixei barato: "E daí? Prá início de conversa, quem é que vai saber o que duas pessoas estão conversando?"
E os empresários que se reúnem em caros restaurantes para combinar negociatas, corrupção, crimes contra o sistema financeiro nacional, contra a ordem tributária? Uma beleza, não? Não são lindos e poderosos? Palmas para eles, não é mesmo?
E os políticos que se encontram em restaurantes, em hotéis, para combinar negociatas, atos de improbidade administrativa, crimes eleitorais, crimes contra a administração pública? São tão lindos e poderosos, não? Que continuem assim, não é mesmo?
E como os chimpanzés, orangotangos, bugios e babus reunidos fazem barulho!
E esses trogloditas de terno que, quando estão a sós num restaurante, sala de espera, bar, etc., sacam seus celulares e ficam falando em voz alta, incomodando todo o resto? Um inferno. E o imbecil que ri alto num cinema ou teatro, como um pangaré desvairado? Odiado. Enquanto isso, a mulher, que comete o único "crime" de estar só, recebe olhares de soslaio, piedade, desconfiança, e, muitas vezes, a estupidez de algum atendente despreparado e grotesco que tem a petulância de indicar-lhe algum lugar escondido, ruim ou próximo ao banheiro. Sempre recuso e faço questão de escolher aonde vou me sentar.
Por conta dessa cosmovisão ultrapassada, de que a mulher que caminha a sós pelos lugares e pela vida ou é "mulher da vida" ou uma coitada sem direito de escolha, muitas vezes aparece um porco, um pitbull, um símio ou um rato com perguntas do tipo, "não te conheço de algum lugar?", "você vem sempre aqui?", "sozinha?", e tudo o que queremos é um facão, uma focinheira e um enforcador, uma banana ou uma ratoeira. Por quê? Porque temos todo o direito de escolher com quem vamos ficar ou deixar de ficar; de preferirmos ficar sós do que acompanhadas de presenças dissonantes. Enfim, temos o direito de sermos tão livres quanto os homens.
1 comment:
concordo!
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