Monday, April 10, 2006

A LIBERDADE DAS MULHERES

Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós. Esse é o e estribilho de um velho samba, cujo título e intérprete não me recordo.
Antes que vocês fiquem chocadas(os), vou avisando: sei, sim, que esse é um verso tirado do Hino da Proclamação da República.
Muito já foi dito sobre a igualdade entre homens e mulheres. Porém, pouco se comenta sobre o direito de liberdade da mulher. Todo mundo repete que a igualdade entre os sexos está praticamente completa (!), fala-se em "pós-feminismo", mas há eventos nos quais se evidencia a desigualdade, que assume proporções dramáticas quando a mulher quer ser tão livre quanto o homem.
Não somos ainda.
O Feminismo trouxe-nos o sufrágio, o direito de igualdade na Constituição e nas leis, o acesso ao mercado de trabalho e muitas conquistas. Porém, o Feminismo majoritário não ousou romper com certos dogmas da feminilidade, que nos constrangem e restringem nossa liberdade, a saber: a idealização da mulher, o altruísmo forçado, a sagração da maternidade e a reprovação do individualismo, do sexo e do prazer.
Não fomos educadas para a liberdade. Não somos admitidas no exercício individual nem social da liberdade. Nossas mães foram contra a nossa liberdade. A maioria das mulheres é contra a liberdade.
Volto ao assunto aleitamento materno em razão de ser oportuno fazê-lo. Na "VEJA" da semana passada, na seção "Frases", há uma frase dita pela atriz Mariana Ximenes em programa de televisão, segundo a qual, "quando você amamenta, a libido vai para o pé". Ao que Fernanda Young respondeu: "E os peitos também".
É sabido que o aleitamento leva ao ressecamento da vagina.
A mulher tem o direito de escolher entre o sexo e a amamentação. Porém, há mulheres, inclusive que se dizem feministas, que não aceitam isso. A mulher tem, sim, o direito de colocar a si mesma acima da maternidade. Tem, sim, direito de ser individualista, e o Estado, a sociedade, a família e os amigos têm que respeitar sua opção.
As mulheres contrárias à liberdade odeiam as mulheres livres. As lobas. As indomáveis. As de coração selvagem e todo-poderoso.
Nosso coração é a nossa coisa mais livre. Nele, podemos tudo!
As detratoras da liberdade de suas pares não entendem isso. Nelas, o coração não pode tudo. Ou pode nada.
Quem são as detratoras da liberdade?
As homófobas que, com medo de terem filhos gays, educam seus meninos para serem machinhos grosseiros; as que dizem, "não sou feminista, sou feminina"; as que acham aceitável as mulheres serem discriminadas segundo o seu estado civil; as que são contrárias à liberdade igual para ambos os sexos; as que dão às filhas educação diferente da dos filhos, dando às primeiras, claro, menos liberdade; as que acham que a mulher tem que colocar os filhos acima de si mesmas, que a mulher não pode ser tão individualista quanto o homem; as que falam num tom de voz tão meloso que chega a ser humilhante; as que aceitam as regras discriminatórias e humilhantes para o sexo feminino.
São, sobretudo, as que não querem mudar, pagando o preço da liberdade, que é pegar a própria história na mão, cuidar de si mesmas e não ser sustentada por nenhum homem. Isso requer trabalho, estudo, coragem, trabalho, trabalho, luta, luta. Como pode uma mulher, por exemplo, querer ser juíza do trabalho, se não trabalha, mas depende de um macho? Como pode uma mulher reclamar da atuação dos politicos se ela enche a boca para dizer que odeia política e bufa quando o pai, marido ou companheiro põe na TV Câmara? Se ela despreza o sufrágio, a duras penas obtido? Tem sujeitinha que preferiria poder entregar o título de eleitor para o seu "senhor" votar por ela. Se a mulher se acha superior adotando posturas dependentes e alienadas como essas, é uma detratora da liberdade.
O mundo está cheio de mulhere que, com suas atitudes compatíveis com o estereótipo negativo da feminilidade, põem lenha na fogueira do machismo. E as reacionárias! Como são numerosas! Foram elas que saíram em peso nas "Marchas da Família com Deus (!) pela Liberdade(?)". Deram no que deram. Certa vez, um homem me telefonou para dizer que conhecia muito mais mulheres antiaborto do que homens. Se essa constatação é verdadeira, não sei, mas era a experiência cotidiana desse homem. O fato é que a única Ministra do STF votou pela cassação da liminar que permitia a antecipação do parto dos fetos anencefálicos. Sobre o tema, aliás, vale ler o artigo do jurista Luís Roberto Barroso, na Revista de Direito Administrativo n. 241.
Pois bem. Temos que retomar o Feminismo, mas dele fazer uma corrente jusfilosófica que, efetivamente, tenha um compromisso com a libertação de mulheres e também de homens. O nosso Feminismo chegou apenas até a metade do caminho: precisa romper com a idealização de homens e de mulheres; tem que propor a superação da condição feminina, para que alcancemos a condição humana. "Como assim"?
As mulheres têm que parar de querer idealizar a si mesmas, tentando provar aos homens que são "superiores" a eles, que são "mais sensíveis", "menos egoístas", "mais solidárias", "mais fortes", porque isso só nos traz maiores encargos e menores direitos de fato. Exemplo disso já dei, a da "ditadura da amamentação", pois as mulheres não romperam com o altruísmo forçado de sua condição feminina, com a sacralização da maternidade. A mulher tem o mesmo direito de gozar a vida que o homem. Temos que assumir postura corajosa nesse sentido, rechaçando quaisquer ideais de pureza, de santidade, assumindo que somos seres dotados de sexo e que isso é importante para nós. Mais: que temos o direito de escolher com quem, quando e onde.
Temos o direito de vivermos livres de preconceito e de discriminação de sexo; de não ouvirmos piadas de loura e quejandas; de sermos tratadas como adultas, e não como crianças grandes; de competirmos em igualdade de condições com os homens e com outras mulheres; de sermos ambiciosas; de sermos agressivas; de ousarmos lutar e vencer.
Enfim, temos o direito de sermos vistas como seres humanos, e não apenas dicotomizadas como somos, em "santas" ou "diabas": de um lado, as cordatas detratoras da liberdade; do outro, as que ousam ser livres.

1 comment:

Eliudes Cazaes said...

Olá Simone,
Fiquei emocionada com o seu artigo. Defendo a ideia de que nós, mulheres, ainda não temos a liberdade que todo ser humano deve ter. Isso inclui, principalmente, a liberdade sobre nosso corpo. Finalmente encontro uma mulher livre, moderna que compreende que o feminismo começou uma parte da mudança, mas que ainda há um longo caminho a percorrer.

Parabéns, 'virei' sua fã!!!
Abraços,
Eliudes Cazaes