Tuesday, June 06, 2006

Senhoritas: Nunca Mais

Por que as mulheres são divididas entre "senhoras" e "senhoritas", em razão de serem casadas ou solteiras, ao passo que o homem é sempre "senhor"?
Trata-se de mais uma, dentre tantas, tradições discriminatórias.
Interessante é notar que o empresariado, nessa questão, saiu à frente na superação da forma de tratamento "senhorita". Hoje em dia, somos quase que invariavelmente chamadas de "senhoras" em supermercados, drogarias, prestadoras de serviços diversos, por trabalhadores visivelmente treinados.
Porém, há momentos em que somos surpreendidas por um arcaico "senhorita". Basta aparentarmos juventude e celibato. Há quem ache bonitinho.
E o que é uma "senhorita"?
O primeiro significado para o termo, dado pelo Dicionário Aurélio, é "mulher de baixa estatura". O sufixo "ita", na língua portuguesa, demonstra que o substantivo está no diminutivo. Então, "senhorita" é diminutivo de "senhora". E diminutivo indica algo menor. Assim, uma "senhorita" é "menos" do que uma "senhora". Não existe "senhorito" (vamos criá-lo?) para referir-se ao homem solteiro. Por quê?
Em primeiro lugar, a origem do termo "senhor" perde-se no tempo, mas alguns dicionários revelam que está ligada à propriedade imóvel. "Senhor" era o dono da terra. Na Idade Média, encontramos a figura do senhor feudal.
Nesse sentido, confira-se o que diz o "Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa", de Caldas Aulete, vol. V:
"SENHOR (ô), s.m. o que tinha autoridade feudal sobre certas pessoas ou propriedades; proprietário feudal. Proprietário, dono absoluto, possuidor de algum Estado, território ou objeto: El-rei de Orixá e el-rei de Bengala... que são senhores de grandes Estados."
Durante séculos, a mulher não teve direitos de propriedade nem de herança, salvo raras exceções, como no Antigo Egito e na Babilônia (cf. Encyclopaedia Britannica). Na Idade Média, era destituída de todo e qualquer direito privado. Não podia ser proprietária nem herdeira. Essa restrição seria invocada, na França, como obstáculo a que o trono francês pudesse ser ocupado por uma rainha: se a mulher não podia ser senhora da terra, não poderia governar um país (Lei Sálica).
Por isso, a mulher só era "senhora" por deferência ao marido, o seu "senhor". A filha jamais seria proprietária de qualquer porção de terra por definição. Daí, o vocativo "senhorita".
Na Idade das Trevas, disseminaram-se duas pragas: o tabu da virgindade e o casamento como o único meio legítimo de vida para as mulheres. Portanto, segundo essa cosmovisão, era necessário dividir as mulheres entre "senhoras", mais dignas de respeito por terem um dono, um "senhor", e "senhoritas", donzelas desgraçadas que nunca seriam senhoras da terra e nem de si mesmas, uma vez que o pai podia casá-las à força ou encerrá-las num convento a seu bel-prazer.
Portanto, uma "senhorita" é presumivelmente virgem...
Por esses motivos, o termo "senhorita", além de arcaico, é discriminatório e humilhante.
Hoje, as mulheres têm direitos de propriedade, de herança, direitos políticos ativos e passivos, podendo votar e serem votadas, sem restrição alguma; nos termos da nossa Constituição, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; o preconceito e a discriminação de sexo são proscritos e o Estado tem o dever de combatê-los (art. 3o., IV; art. 5o., "caput", incs. I e XLI).
O direito de liberdade, nos termos da Constituição, é o mesmo para ambos os sexos, e o tabu da virgindade não mais pode constranger mulher alguma.
Igualdade de direitos quer dizer, sim, igualdade de status , de dignidade social. Não há razão de direito para distinguir as mulheres segundo seu estado civil, uma vez que tal distinção nunca alcançou os homens. Assim, não pode a sociedade continuar dividindo as mulheres em senhoras e senhoritas. Por essa razão, a palavra "senhorita" tem que ser deixada no passado da língua portuguesa, aliás, de todas as línguas, tendo em vista o seu conteúdo discriminatório e humilhante.
Infelizmente, há mulheres que a-do-ram um "senhorita"! Sentem-se "mocinhas"!
Quem ainda cunha o "senhorita", creio fazê-lo de boa-fé, por falta de informação, de reflexão. Afinal, só me dei conta do caráter discriminatório dessa diferença depois dos 30 anos de idade e de muito estudar e pensar sobre direitos das mulheres.
Portanto, devemos pugnar pela abolição ampla da forma de tratamento "senhorita", por todas as razões apresentadas, pois sem igualdade de direitos implica na igualdade de tratamento.