Monday, February 16, 2009

Abaixo o Bom-Mocismo

Não aguento mais essas regras da moda, segundo a qual todo mundo tem que ser bonzinho, sobretudo boazinha, afinal, nessa nossa sociedade nada livre, injusta, mas que jura que é solidária, a parte mais pesada das obrigações cai sobre a mulher.
O bom-mocismo triunfa de mãos dadas com essa mídia leviana, venal, despreparada e supremamente vulgar que nos obsidia noite e dia. O bom-mocismo impõe seus atos institucionais sem reflexão, pois é do tipo que manda primeiro e não pensa nem depois, sem discussão, sem processo legislativo e ao arrepio da Constituição. O bom-mocismo é um fascista, um totalitário vagabundo, canalha, vulgar, lugar-comum, sem cultura, sem postura, sem filosofia, sem arte, sem personalidade, que odeia o bom-gosto e assassina a liberdade.
Ah, mas o bom-mocismo promove a igualdade...
Promove nada!
O bom-mocismo IMPEDE que todos sejam igualmente livres. Que igualdade?
Igualdade não é uniformidade, nem unanimidade. É dignidade igual, liberdade igual. Isso o bom-mocismo não admite, porque, para início de conversa, não admite a liberdade e destrói a dignidade, na medida em que viver sem liberdade é ignomínia. Além disso, o bom-mocismo trata quem dele ousa discordar como untermann, sub-humano, recusando tratamento digno a quem nadar contra a corrente ou caminhar contra o vento.
O bom-mocismo é esse EXCREMENTO que inspira leis liberticidas e intolerantes, como a Lei que instituiu o RDD, o famigerado Regime Disciplinar Diferenciado, que trata certos presos como feras, e não como gente, proibindo a leitura de jornais, de determinados livros (reinventou o Index da Inquisição!), como se um livro fosse tão letal quanto uma bazuca! E, pior: o Governo Lula defende essa lei no Supremo!
Outra lei liberticida, inspirada pelo maldito bom-mocismo, é a Lei Seca. Como posso estar contra uma coisa que, diz a mídia, está salvando vidas? É liberticida! Padece da total falta de razoabilidade, pois consegue ser mais rígida que as leis britânica e americana sobre o mesmo problema, consumo de álcool e direção de automotores. A lei coloca no mesmo patamar quem consumiu dois copos de cerveja e quem consumiu vinte. Só por isso, é insustentável.
A ditadura da amamentação (sim, eu disse ditadura, quis dizer exatamente isso e não vou retirar o que disse) trouxe essas leis que instituem seis meses de licença-gestante, oneram a Previdência e discriminam a mulher, pois reforçam a idéia estereotipada e machista de que a função precípua de cuidar do bebê é da mãe, sendo o pai dispensável. E, pior: essas leis afirmam ter como escopo incentivar o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade do bebê.
Ocorre, porém, não me cansarei de repetir, amamentação é DIREITO da mulher, que não tem a mais remota obrigação de amamentar.
Ah, mas e a saúde do bebê?
E a liberdade da mulher? Liberdade é um direito fundamental e inegociável. A mulher tem o direito de ser tão livre quanto o homem. Eventual afirmação de que a mulher não pode ser tão livre quanto o homem, só porque se tornou mãe, não passa de um sofisma de má-fé.
Quanto à saúde do bebê: é um sofisma de má-fé dizer que a amamentação é essencial, que o leite materno é indispensável. Minha geração foi alimentada na mamadeira. Esse discurso não passa de uma conspiração de profissionais de saúde machistas que nele encontram um pretexto para oprimir a mulher e mandá-la de volta para casa, longe do mercado de trabalho, cheia de culpas.
E por falar em mulher: os ecocôs fazem campanha contra a fralda descartável, sob o pretexto de salvar o planeta. E quem é que tem que dar a maior contribuição? A mulher, é claro, que ainda é quem mais cuida das crianças, quem acaba ficando encarregada de trocá-las! DE JEITO NENHUM podemos aceitar voltar a lavar fraldas! Isso é um RETROCESSO!
E a cobrança de serviço voluntário? Um contra-senso. Se é forçado, voluntário não é! Uma amiga minha, que tem filhas em idade escolar, há anos atrás contou-me que a escola das meninas tinha dado como tarefa, valendo nota, o engajamento num trabalho voluntário (estou falando de crianças!)...
Para os governos neoliberais, é um prato cheio a ditadura do voluntariado, a fim de que, cada vez menos, encarregue-se de prestar serviços públicos (que são seu DEVER constitucional prestar). Escravizar o povo, fazendo com que trabalhe de graça, é mais barato.
O bom-mocismo é contra a igualdade. Reforça privilégios de gênero, de classe, estado civil e idade. Hoje, em todo local de atendimento ao público, ainda que a espera se dê com todos sentados, há as "prioridades", gestantes, idosos, deficientes, pessoas com crianças de colo. Mas, se estão todos sentados, qual o sentido desses privilégios? NENHUM. Porém, o bom-mocismo, que não pensa, disseminou essa quebra da igualdade, e ai de quem ouse questioná-la!
Semana passada, fui renovar minha carteira da OAB. O local de antendimento dispunha de cadeiras para todos, mas, mesmo assim, tinha as famigeradas prioridades. Não sei porquê.
Nos shopping centers, vaga disto, vaga daquilo (e são muitas!). Basta!
É o bom-mocismo cretino quem disseminou a perseguição aos tabagistas, que passou de todos os limites racionais para atingir a insanidade pura e simples. Ah, mas é tendência mundial! Nos anos 30, o fascismo era tendência mundial. Alguém tem saudades?
Agora, há um projeto de lei em andamento no Congresso (espero que ainda não tenha passado), que, além de criar o cadastro nacional de adoção, passa a proibir que o interessado em adotar uma criança exerça o seu direito de escolha. Assisti a um debate na TV Justiça, uma fulana veio com o papo de que não se escolhe uma criança (para adotar), porque "adoção é um ato de amor".
Não era uma freira, mas uma advogada!!! Do que resulta esse PL? Do bom-mocismo totalitário.
E a lei da guarda compartilhada, então? Muito bem, mais um exemplo de triunfo do bom-mocismo sobre o bom-senso. A lei tirou da mãe a preferência na obtenção da guarda, e colocou a guarda compartilhada como regra, e a tradicional, como exceção! Agora, se tivermos um filho, depois de passarmos nove meses grávidas, e, se o caso, mais dois, quatro ou seis amamentando, perdemos a preferência de tê-lo em nossa companhia, no caso de eventual separação. Os homens já estão usando essa nova arma: para espicaçar a ex-esposa, com críticas e cobranças, interferências inéditas, e, também, a nova companhia, impondo-lhe o(s) filho(s) da união anterior.
O bom-mocismo é preconceituoso e cruel. Ele põe casais (de preferência heterossexuais) e famílias em primeiro lugar, e trata os lobos solitários com menoscabo. A indústria do turismo é o nicho mais preconceituoso da economia e ninguém faz nada. Em total afronta à Constituição da República, sobretaxa quem viaja só, em cerca de 40, às vezes 60 por cento sobre o valor de diárias e pacotes. Entrar sozinha num restaurante? Se não for para almoçar durante o horário comercial, olhares de soslaio. E, pior: aguentar um "senhorita" de algum despreparado e machista. Pois eu não aguento. Quando ouço essa ofensa, corrijo, "senhora, por favor".
Se o homem, solteiro ou casado, jovem ou idoso, é sempre "senhor", a mulher é sempre "senhora.' "Senhorita" é uma forma de tratamento discriminatória e humilhante. Quem tiver curiosidade, leia meu "Senhoritas: Nunca Mais" (postado em 2006).
O bom-mocismo é antítese do pluralismo e inimigo do espírito crítico, do progresso, da liberdade, da felicidade. Ademais, é intolerante, persegue quem a ele resiste e é capaz de matar. Ao dividir as pessoas em "do bem" e "do mal", como num gibi do Batman, incorpora a lógica maniqueísta e o tudo ou nada que justifica o assassinato como meio de limpeza para alcançar o fim, o "bem". É o bom-mocismo que condena a sexualidade feminina, o prazer, o hedonismo, os anticoncepcionais, o cigarro, o champanhe, o café, a carne; é esse mesmo bom-mocismo, porém, que justifica as prisões-masmorras, a invasão de privacidade, os grampos ilegais, o monitoramento de emails de empregados, a pena de morte. Foi o bom-mocismo quem apoiou a ditadura militar e o AI-5. Enfim, o bom-mocismo é a pior praga dos nossos tempos.