Monday, December 04, 2006

A COSTELA DE ADÃO

Para onde vamos quando obedecemos, sem questionar, à ditadura de padrões estéticos?
Muitas vezes, para o fundo do poço e, mesmo, para a feiúra.
Há anos atrás, visitei, no Centro Cultural do Banco Itaú, uma exposição intitulada "Do Espartilho ao Silicone".
A exposição mostrava objetos de desejo e de beleza femininos: vestidos de todas as épocas, alguns magníficos, como um tomara-que-caia de rendas prateadas dos anos 50, um par de sapatos pretos, dos anos 20, que teria pertencido à Olívia Guedes Penteado, um vestido do séc. XIX, para o dia, com cauda, de uma dama de companhia da família real brasileira.
O que chamou minha atenção, e de outras pessoas também, foi a baixa estatura da "dona" do vestido.
Certa vez, li que, no séc. XIX, no Brasil, o padrão de beleza feminina correspondia a uma mulher baixinha, carnudinha, de tornozelos finos. Portanto, a tal dama de companhia, se tivesse um rosto agradável, certamente teria sido considerada uma mulher bela.
Em 1900, o espartilho era obrigatório. Vemos desenhos, e até mesmo fotografias da época que exibem mulheres de cinturas anormalmente finas.
Graças a Coco Chanel, livramo-nos dos espartilhos, dos trajes incômodos, da ditadura da alvura e conquistamos o tailleur e a bolsa a tiracolo.
E, hoje, assisti ao Fantástico por duas razões: queria ver a continuação da viagem pela Sibéria (o trem chegou com Paulo Coelho e Glória Maria a uma das cidades que sonho conhecer, Vladivostok) e por conta de uma matéria sobre as mulheres que retiram costelas para afinar suas cinturas.
O que o dr. Pitanguy e outros médicos esclareceram eu já sabia: costelas servem para proteger órgãos delicados, como pulmões, baço e fígado. Fazem falta, sim.
A equipe jornalística apresentou três mulheres que fizeram a cirurgia para retirada de costelas, além de duas personagens interessantes: uma delas, morena e bonita, usa espartilho para afinar sua cintura, de 64 para 52 cm... Sim, ES-PAR-TI-LHO. São bem mais novas do que eu e apresentam belas curvas naturais. Por que fazem isso? Não deram uma explicação que me convencesse.
O uso do espartilho leva a dores nas costas e a problemas circulatórios. Uma delas só tira o instrumento para dormir; a outra, para tomar banho...
Juro que não sou um tribufu nem que estou com inveja dessas corajosas afrodites. Não dispenso a boa e velha manicure, a depilação, o perfume, o filtro solar, dentre outros cuidados básicos. Faço dieta permanente, mas passar fome e ficar um palito? Nem pensar. Adoro café, pão, croissant, chope e massas (sem queijo). Morrer por conta de um determinado padrão estético, nunca.
Já sofri por causa do meu corpo. Até os 21 anos. Minha anatomia não corresponde à preferência nacional. Tenho quadris estreitos, ombros largos e não dá para mudar isso. Porém, é mentira que um derrière avantajado seja um passaporte para a beleza, a felicidade e o sucesso com os homens. Posso dizer o mesmo quanto à medida da cintura.
Confissão de adolescente longínqua: se sofri por causa do meu corpo, o promotor implacável não foi o espelho, mas a opinião de mulheres invejosas da família. Felizmente, no meu caminho tinha uma judia bem vivida. Ela me lançou umas perguntas oportunas e daí, um dia, eu experimentava um vestido preto e justo numa loja e dei-me conta de que as duas invejosas da família é que me faziam achar meu corpo feio, o que nunca foi nem é. Parenti, serpenti!
Detalhe importante: os homens sempre elogiaram meu corpo.
Quando cometemos uma violência contra nosso corpo, queremos nos sentir mais belas e desejáveis. Porém, nossos objetos de desejo não fazem a menor questão de uma cintura artificialmente diminuta, ou mesmo fina, de um corpo tão "perfeito" como imaginamos, ou tão magro. Os homens com quem já pude conversar sobre o tema corpo, aliás, não estão atrás de uma top model, que, para eles, é pele e osso. Beleza é contingente; é mais uma impressão do que um determinado conjunto de formas.
Por que nos matamos em nome da capacidade hipotética de despertar desejo nos outros? E nós, o que somos e para onde vamos?
Continuamos nos comportando como costelas de Adão, que, metaforicamente, começamos a remover de nossos corpos, tornando-os mais frágeis. Vivemos para os outros e somos capazes de ir para o Inferno em busca da aprovação geral. Na obsessão que desenvolvemos, nossa visão distorce a realidade e então partimos para o espartilho, a cirurgia arriscada, a anorexia e a bulimia.
Aparentemente, o número de homens que enlouquece por padrões estéticos não é tão significativo quanto o de mulheres. Sabemos dos que tomam anabolizantes para ficarem musculosos, coisas assim. Mas gostaria de conhecer melhor o assunto do lado masculino. Conheci alguns que sofriam por estarem gordinhos, outros, por serem baixinhos. Vou dedicar dois textos a uns e a outros, futuramente.
Minhas costelas são sagradas.